sábado, 29 de julho de 2017

Ladainha, de Bruna Beber

Autora: Bruna Beber
Editora: Record
Ano: 2017
Páginas: 96
Skoob
*Exemplar recebido em parceria com a editora.
Sinopse: Bruna Beber tenta retirar, ao extremo, o peso, a profundidade e a densidade da poesia A começar pelo título: tipo de canto, prece ou recitação que provém de uma dimensão religiosa, a palavra “ladainha” passou a ser usada para dizer aquilo que se repete incansavelmente apesar de já ter perdido o sentido. Ainda, ao escolher não dar títulos aos poemas, mas apenas enumerá-los com a sequência dos 32 primeiros números primos, Bruna Beber foge à simples infinitude dos números naturais, aspirando a uma infinitude ainda não de todo mapeada. O que poderia ser visto como um exercício de banalidade e humor propositalmente afirmativos é, antes de tudo, uma posição ironicamente crítica da poesia para com sua história, para com a poeta, o leitor, a tradição, o mundo, o nosso tempo e, mesmo, a vida.

Esse ano tive gratas surpresas com a leitura de livros de poesia. Não é um gênero que eu leia muito, apesar de realmente gostar bastante, e em 2017 estou lendo muitas de autores nacionais  e, como disse, tendo surpresas bem bacanas.

Bruna Beber é uma escritora e poetisa brasileira nascida no Rio de Janeiro. Entre seus livros de maior destaque está Rua da Padaria (Record, 2013), livro que reúne poemas, em sua maioria, sobre a infância. Seus textos já foram publicados em vários países, sendo ela uma autora de destaque na poesia contemporânea brasileira. Ladainha é seu quinto livro de poesia, e começou a escrevê-lo em 2015, publicado agora em 2017 pela Record em uma bonita e simples edição.

Ladainha (que significa prece, oração) é dividido em três partes, sendo elas Vidádiva, Canseios e Meodels, todos em uma linguagem coloquial que é característica sua. Os poemas não possuem título, e são ordenados por números primos, escolha da autora. 
Em uma entrevista mega interessante para o blog do Grupo Editorial Record (link) a autora usa as seguintes palavras para descrever seu livro:

"Quando comecei a escrever o “Ladainha”, eu sabia que não estava interessada em falar sobre o amor romântico, a paixão, a novidade, o desencontro. O amor só apareceria nos poemas se fosse por dentro, um amor mais robusto, uma conexão maior, a natureza, a essência humana ainda tão desconhecida para mim, a fé. Sabia que não queria usar nenhuma referência cultural explícita, não queria estampar meus autores, cantores, pintores, enfim, todo tipo de arte que me fez e me é cara. Não queria também geografia, lugares, ruas, trajetos. Não queria nenhuma língua que não fosse a portuguesa. Não queria batizar os poemas pois o título é uma porta para o poema e um rastro para ele. E mais um monte de nãos. Então, o que me restava? Tudo. Escrever livremente." (Entrevista completa)


Ao correr da leitura me peguei imersa em interpretações e sentimentos despertados. Bruna Beber tem um estilo único, com uma linguagem que prende o leitor em reflexões, pois mesmo simples e de leitura fluída, os poemas escondem bastante profundidade em seus versos, e essa é a beleza do estilo da autora. Já irei atrás de Rua da Padaria para ler também :)


Entre os meus favoritos está o 2, poema que abre o livro:

Plantei uma goiabeira
dentro do banheiro 
e a cigarra veio
morar comigo

Desde então tomo banho
de óculos, uma sensação
de melancolia molhada
que aprecio

Mas não amo, amor é o que vejo 
semear, romper e brotar
da barriga da cigarra
uma parceria:

O canto
é ancestral, adquirido
às vezes peço uma canção
ela não tem ouvidos

Seus olhos esbugalhados
de sapo explosivo
o meu inchado
de chorar sem motivo

Estou satisfeita
mas não devo esperar
nada, é como criar
uma sereia.

Outro, muito bonito, é o 47:

Do jeito que as coisas andam
áridas, sem gelo, pra trás
não vou voltar da rua
trazendo pão

Mas pode ser que o tempo mude
e amanhã eu acorde
com vontade
de fazer um suco

Sofro de dores barítonas
dois dias sem abrir a boca
minha cabeça tá um baile
de ácaros

Não sei pra onde vai aquele trem 
mas meu nariz já consegue filtrar
os segredos que as rosas
trocam no vendo

É que eu estou de férias 
poderia até organizar
um batizado, fingir 
que adoro camarão

Se você pensa, não é
todo mundo que tem primos, os sisos,
conta no banco e um colchonete 
de solteiro pras visitas

Por isso vou fazer o que sempre quis
comprar um caixote fechado de uvas
e passar de caminhão
nas vias proibidas.

Esses são apenas dois dos lindos poemas que compõem a obra. Leitura recomendada!

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