quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Resenha || Nós Matamos o Cão Tinhoso!, de Luís Bernardo Honwana

Editora Kapulana, 2017 || 145 páginas || Skoob
Sinopse: O livro de contos Nós matamos o cão tinhoso!, de Luís Bernardo Honwana, é um marco da literatura africana. Obra polêmica, publicada em Moçambique em 1964, foi criticada por aqueles que defendiam o colonialismo português, e aclamada pelos que defendiam a liberdade e a autonomia do país. O volume é composto por sete contos que expressam de forma emocionante a realidade sufocante dos trabalhadores moçambicanos durante a colonização portuguesa. O leitor vai conhecer contos sublimes que dão destaque às experiências dos oprimidos como as crianças e os trabalhadores negros na era colonial.  

RESENHA ✍

Luís Bernardo Honwana nasceu em Moçambique no ano de 1943; foi militante da Frente de Libertação de Moçambique e preso por resistir ao colonialismo português antes da independência do país, que só aconteceu em 1975. Depois, foi participante ativo da política do país ao lado de grandes líderes moçambicanos.

"Nós Matamos o Cão Tinhoso!" é sua única obra de ficção e foi lançada em 1964, se tornando um sucesso e ganhando reconhecimento internacional, sendo traduzida para diversos idiomas e lido em escolas e universidades ao redor do mundo, além de ocupar um lugar na lista dos 100 melhores livros africanos do século XX, sendo referência por tratar de assuntos sérios como a opressão no país, o racismo e a colonização portuguesa, contra a qual Honwana lutou por muitos anos, além da realidade sofrida de trabalhadores em condições precárias.

O grande ponto do livro é a forma como o autor conta essas histórias, se utilizando de metáforas e uma linguagem simples e universal para adultos e crianças. E as crianças são destaque na obra do autor, que começa com o conto que dá título ao livro.


A história segue um grupo de crianças que é incumbido de pôr fim a vida de um cachorro que, em uma situação triste e cheio de feridas e doenças, enoja os moradores de uma pequena vila. O protagonista não quer matar o chamado Cão Tinhoso, mas tem medo da retaliação dos colegas caso não participe do ato. O segundo conto é o Inventário de Imóveis e Jacentes, a narrativa de um garotinho que descreve sua casa em uma noite que não consegue dormir. Na casa dormem 5 pessoas, e aos poucos ele descreve seus parentes e cada cômodo, com aquele olhar inocente que só as crianças possuem.
"Atento à ordem do capataz, que nunca mais vinha, Madala não se tinha apercebido do esticar dos fios, mas agora, depois de sentir o primeiro nó por entre as dobras do intestino, endureceu o corpo na vã esperança de contrariar o enlaçar dos fios com a tensão muscular. Todavia, o fio que lhe descia por dentro da gargante encrespou-se por alturas do meio do peito, formando um novelo que deslizou rapidamente para o estômago. Durante os segundos de expectativa, as veias do pescoço quase que explodiram no seu latejar tenso e o corpo estremeceu-lhe convulsivamente. As folhinhas da planta que tinha nas mãos desfizeram-se, exalando uma fragrância opressiva. O segundo nó quase que lhe arrancava os ruins, mas pelos lábios apertados de Mandala nem um único queixume escapou."
Dina é o terceiro conto do livro, onde conhecemos um ancião que está a trabalhar no campo quando uma sente uma dor terrível que o paralisa. Esperando o capataz anunciar a hora do almoço, e esse se demorando a fazê-lo, acompanhamos um homem idoso, já no fim da vida e de suas forças, se esforçando ao máximo para ficar de pé, e resistir. No quarto conto, chamado A Velhota, onde um rapaz é espancado em um bar e ao voltar para casa reflete sobre sua condição e a de sua família, enquanto a mãe serve as crianças com a pouca comida que resta na casa, se privando de sua refeição para servir os filhos.


O quinto conto se chama Papá, Cobra e Eu e é narrado por um menino que encontra no quintal de casa a cobra que estava a matar todas as galinhas ali criadas, e parado ele se põe a observá-la. No sexto, chamado As Mãos dos Pretos, onde uma criança é atiçada pela curiosidade sobre a palma das mãos dos negros ser mais clara que o resto do corpo, e para essa questão cada adulto tem uma resposta diferente.
"_Meu filho, tem de haver uma esperança! Quando um dia acaba e sabemos que amanhã será tudo igualzinho, temos de ir arranjar forças para continuar a sorrir e continuar a dizer "isso não tem importância."
O sétimo é chamado Nhinguitimo, que significa o vento que vem do sul, e é sobre a natureza e também sobre um personagem que sofre constantes intimidações por sua situação e por não falar bem a língua de um administrador que insiste em saber sobre o lugar onde ele vive; enquanto isso ele espera pela fúria do vento que vem do sul.

Essa edição pela editora Kapulana é a primeira com o conto Rosita, Até Morrer, onde uma mulher que não sabe muito bem ler tenta com muito esforço colocar seus sentimentos em uma emocionante e inocente carta para o homem que a abandonou grávida.

Os meus contos favoritos foram As Mãos dos Pretos e Rosita, Até Morrer. Dois contos curtos, simples, mas que me emocionaram e me levaram às lágrimas. Essa foi com certeza uma experiência de leitura que ficará marcada em mim. Foi incrível conhecer mais da cultura moçambicana, seu povo, as expressões, as histórias... No fim fiquei com um gosto de quero mais.

Leitura certamente recomendada a todos. Leiam! :)

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