sábado, 2 de dezembro de 2017

Resenha || Diário de Viagem, de Albert Camus

Editora Record, 2017 || 128 páginas || Skoob
Sinopse: De um dos mais importantes e representativos autores do século XX e ganhador do Prêmio Nobel de Literatura Este Diário de viagem de Albert Camus, publicado na França em 1978, traz as impressões anotadas pelo escritor em duas viagens: aos Estados Unidos, em 1946, e à América do Sul (principalmente o Brasil) entre junho e agosto de 1949. Durante sua estada em nosso país, Camus registra observações preciosas sobre vários aspectos da vida brasileira, comentando ainda seus encontros com Aníbal Machado, Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Augusto Frederico Schmidt, Oswald de Andrade, Mário Pedrosa e muitos outros. São de leitura obrigatória para o leitor brasileiro os comentários aguçados feitos pelo pensador francês sobre este “país em que as estações se confundem umas com as outras; onde os sangues misturam-se a tal ponto que a alma perdeu seus limites”.

RESENHA ✍

Albert Camus (1913-1960) foi um influente filósofo, jornalista e escritor nascido na Argélia. Entre seus principais trabalhos estão os livros O Estrangeiro (L'Étranger, no original); A Peste (La Peste) e O Mito de Sísifo, ensaio onde Camus introduz sua filosofia do absurdo, presente em boa parte de seus textos.

Diário de Viagem, lançado em 2017 pelo Grupo Editorial Record, traz os cadernos escritos por Albert Camus em viagem para os Estados Unidos, em 1946, e para a América do Sul em 1949. Esses cadernos foram editados e reunidos, reagrupados e editados por seu editor e pela Sra. Camus, através de comparações e exames dos manuscritos do filósofo. 

Em 1949 Camus faz uma viagem à América do Sul, onde daria palestras, entrevistas e conferências, além de se encontrar com várias personalidades brasileiras, entre poetas, romancistas e filósofos. No Brasil, Camus fez aparições em várias cidades, incluindo Olinda e Recife, onde conheceu igrejas e uma apresentação marcante de bumba meu boi, que escreveu em seu diário com uma grafia diferente: bomba-memboi. O editor desse caderno dedicado à América do Sul manteve a grafia original de Camus, que escrevia com descaso e de modo muito peculiar. Os editores da edição brasileira desse Diário de Viagem também foram fiéis ao original.

Esse foi meu primeiro contato com Albert Camus. Não tinha lido nenhum de seus romances e ensaios antes de iniciar a leitura desses cadernos e posso dizer com certeza que essa foi uma escolha feliz. O que mais me chamou atenção nesse livro foram, claro, os trechos sobre sua estadia no Brasil. Ver o Brasil por outros olhos, ainda olhos estrangeiros, sempre me fascinou, e não foi diferente com esse livro.


Camus parte da França para uma maratona de compromissos, e boa parte do caminho empreendido foi de navio, onde ele ficou confinado com um grupo de viajantes. Durante esse tempo ele passou do tédio a uma profunda melancolia, e foi durante essa viagem que ele pensou em suicídio, e mais de uma vez.
"De repente, a ideia de deixar este navio, este camarote estreito em que durante longos dias pude abrigar um coração desligado de tudo, este mar que tanto me ajudou, me assusta um pouco. Recomeçar a viver, a falar. Seres, rostos, um papel a desempenhar, seria preciso mais coragem do que sinto em mim. Por sorte, estou em plena forma física. No entanto, há momentos em que gostaria de evitar a face humana." 13 de Julho de 1949
No Brasil, o clima tropical e os choques de calor excessivo e baques de chuva fazem com que ele caia doente. Mesmo febril e exausto Camus faz questão de cumprir toda sua agenda e participar dos eventos nos quais é esperado, ainda que sua acidez esteja mais presente que nunca e ele fique irritado e mau humorado durante boa parte do tempo, sem ânimo para nada.


Albert Camus sobre o Recife:
"Admiro a cidade antiga, as casinhas vermelhas, azuis e ocre, as ruas calçadas com grandes pedras pontiagudas. (...) Positivamente, gosto de Recife. Florença dos Trópicos, entre suas florestas de coqueiros, suas montanhas vermelhas, suas praias brancas." 21 de Julho de 1949
E sobre a desigualdade social que tanto o choca no Rio de Janeiro:
"O contraste mais impressionante é fornecido pela ostentação de luxo dos palácios e dos prédios modernos com as favelas, às vezes a cem metros do luxo espécies de bidonvilles agarrados ao flanco dos morros, sem água nem luz, onde vive uma população miserável, negra e branca. (...) Nunca o luxo e a miséria me pareceram tão insolentemente mesclados." 15 de Julho de 1949
Em sua estadia em Montevidéu, no Uruguai, Camus sofre com insônia e está cada vez mais deprimido; se resigna então com o fato de que, pela primeira vez, está em pleno conflito psicológico e já não tem forças para lutar contra a depressão.
"Custo a adormecer, viro de um lado para o outro, concentrando minha vontade para não me dobrar interiormente antes do fim da viagem. Obrigado a confessar a mim mesmo que, pela primeira vez na vida, estou em pleno conflito psicológico. Este duro equilíbrio que a tudo resistiu desmoronou, apesar de  todos os meus esforços. Dentro de mim, estão as águas esverdeadas, em que passam formas vagas, em que se dilui minha energia. É o inferno, de certa forma, esta depressão. Se as pessoas que me recebem aqui sentissem o esforço que faço para parecer normal, fariam ao menos o esforço de um sorriso." 10 de Agosto de 1949
Conhecer Albert Camus por ele mesmo, em momentos tão íntimos, foi realmente extraordinário; sua espontaneidade, ironia e melancolia, além de seu olhar afiado sobre nossa cultura, nossa política, segurança e religião, folclore e rituais. Tudo isso só aumentou minha curiosidade em ler seus romances e ensaios, o que farei nos próximos meses.

Essa é certamente uma leitura que indico a todos; seja você um fã do filósofo do absurdo ou um curioso, como eu.

*Exemplar recebido em parceria com a editora.

Um comentário :

  1. Gaby, eu também nunca li nada dele e tenho, sim, planos de ler futuramente. Não sabia por onde começar, mas agora você já me ajudou. Eu amo diários, principalmente de autores, e, pelo que li em sua resenha, tenho certeza de que vou adorar esse livro!
    Dica anotadíssima, seu post ficou ótimo!

    Beijos!

    www.oblogdasan.com

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