quarta-feira, 21 de maio de 2014

#MeusDevaneios2 Jardim

Eu sou um jardim, ela pensava. Mas não existia sol ali, era frio, gélido. Não  existia árvore nas árvores e nem flor nas flores e nem asa, nos seus pássaros. Pássaros passavam frio, seus pássaros, seus pássaros eram pensamentos, trancafiados em gaiolas, cada gaiola tinha um pássaro, e cada decepção era uma gaiola.
Não tinha água em seus mares. Seus sonhos, felizes eram, tristes pareciam, naquele jardim sem céu.

     Escreverei uma carta, disse ela a seus pássaros.
Escreveu então,
  Senhor amor, liberte-me, sou um jardim que já deixou de ser jardim, em meu peito já não cabe mais nada, leve-me embora, lhe imploro, leve-me em bora pois já não vejo vida aqui, já não enxergo cor, meus pássaros me ignoram, me chamam de louca. Como posso discordar? Não culpo eles, pobres trancafiados, eles enxergam minha dor, não querem participar dela. Fingem não me ver, não escutam o que digo, não me entendem, não me ajudam... Tire-me daqui, peço perdão, não quis matá-lo, matei porque precisei, já estava cansada, de ser abatida pelas lágrimas que me trazias. Meus pássaros são negros, quando uso-os, voltam, e eu os prendo, eles voam livres por alguns segundos, pousam em mim, mas não cantam, porque eu os proibi. Seus cantos eram tristes, cantavam um mundo de ilusões, ilusões me machucam, porque o real me assusta. Viverei em paz no nada, então me leva, leva-me em ventos tranquilos e em céu claro, porque já me acostumei ao escuro.
Ela soltou um pássaro, pediu para que entregasse a carta, e ele se foi.
Matou, sim, mas o amor, pelo o que sabia, não morre de verdade. Ele renasce, e, se fosse bonzinho, leria sua carta. Ela queria ir. Não iria voltar. 
Ela lhe matou, porque já não sabia amar.

    Voltou o pássaro, três dias depois com uma resposta para seu jardim. 
Ela abriu o envelope e foi levada por um vento forte direto para o nada.
Os pássaros gargalharam.
Ela se foi.

Um comentário :

Obrigada por comentar!